domingo, 24 de fevereiro de 2008

Um breve ensaio sobre a confiança

Depois da pretensão de escrever sobre a vida e sobre os sonhos, volto a voar em terras que não me pertencem para escrever sobre a confiança.

Uma vez me disseram que a confiança é a base do amor. Foi uma das maiores mentiras que já inventaram. Confiar e amar são sinônimos, mais do que isso, heterônimos. Amor e confiança não se diferem. Somos orgulhosos demais para nos jogarmos em algo sem propósito.

Confiar é deixar-se guiar pelos olhos dos outros, é abrir a mão e tocar a pessoa amada mesmo que não esteja perto, é saber que a qualquer hora do dia ou da noite existe alguém pensado em você. Confiar é por alguém lutar, mesmo que a luta esteja perdida, é fazer o possível e o impossível para não perder.

Quando olhares nos olhos de uma pessoa em quem confias, não procures belas cores, sinceridade, amor ou um brilho qualquer. Procures o seu reflexo. Se estes olhos lhe forem um bom espelho, feche os seus, pois belas cores, sinceridade, amor, e um enorme brilho, com certeza estarão à sua espera do outro lado.

Confio em você, sempre. Peço que confie em mim, mesmo que já tenha dado motivos no passado pra não ser digno dessa confiança. Não tenho como te dar garantia que sou confiável, tenho apenas minhas palavra. E se lhe interessa saber, costumo honrá-la até o fim. Posso também dizer que te amo. Não sei se ajuda muito, mas o coração que tenho, é seu!

Confie e mim

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Este ensaio foi escrito e entregue a uma pessoa muito especial que, por motivos óbvios, omiti o nome. O que não retira nem um pouco a beleza do texto. Deixei para fazer essas considerações no final para que o subjetivismo maculasse a leitura. Espero que tenham entendido. Grande abraço a todos. Até o próximo texto

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Não Eu

Do que vale o resto da vida, se no meu casamento ela será a mais bela
- mais até do que a própria noiva?

Do que vale o resto da vida, se os livros que eu ainda não escrevi serão dedicados à outra
- mas serão pra ela cada uma das linhas que ali estarão escritas?

Do que vale o nada na minha vida, se Dela escuto mil suspiros de amor
- mas nenhum deles é por mim.

Para quem daria meu coração senão para aquela que chora por outro e por outros
- mas nunca por mim?

A continuar assim, prefiro não continuar.

A viver assim, prefiro não viver.A morrer assim, prefiro nem morrer.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Soneto de celebração da vida.

Pela graça divina, nós morremos
De outrora bebês, inéditos seres,
Achamo-nos homens - reis de prazeres
Quando surge o quando que envelhecemos

E neste claro destino vivemos
Entremeados por sombras gentis
(Eis que no choro da vida tu ris
e te escapas de sofrer o que vemos)

Mas é preciso esperança, ó gente
Que a viver é um desatino puro:
Se não se guardar em si bem seguro

Uma lembrança que seja contente
Acabam-se perdidos os dizeres,
Tornamos-nos inúteis homens vis.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Outros Carnavais

O carnaval despontava na janela. Os foliões trocavam os dias pelas noites. Alguns mais animados não se davam conta da efêmera distinção entre dia e noite. As marchinhas fora de moda se mostravam mais modernas do que nunca e embalavam os corações embriagados.

Não gostava de carnavais. Não se identificava com foliões nem com marchinhas. Essas últimas o faziam lembrar sua avó que, enquanto viva, adorava pô-las a tocar numa antiga vitrola. Naquele ano já não tinha sua avó a ouvir marchinhas, mas tinha um motivo especial para simpatizar com o feriado: Uma jovem. Melhor ainda: Uma jovem casada.

Conheceram-se em um congresso chatíssimo. Ele era palestrante. Alto gabarito, em todo lugar que ia, arrastava multidões, estudantes ou não, ávidos por parasitar alguma parcela de seu conhecimento. No final de cada palestra, sempre o mesmo furor: Todos os olhos atentos e irrequietos transformavam-se em leões vorazes por uma dedicatória em um livro ou mesmo um simples aperto de mão.

Daquela vez não foi diferente. Terminada a palestra, foi atacado por seus ouvintes. Já acostumado com o assédio, tratou-os com a naturalidade e paciência costumeira. Até que, em meio à multidão que o rodeava, ele a viu. Baixa, magra, cabelos longos e negros. De olhos tristes, não aparentava ter rompido sequer a linha dos 18. De coração disparado, mãos trêmulas o suor já tomara conta de todos os rincões de seu corpo. Apesar do notório desequilíbrio, fingiu estar tudo bem, até que a pequena aproximou-se, agarrada a um livro como uma menina em seu diário. De cabeça baixa, entregou-lhe o objeto, soltando-o num desabrochar, feito flores na primavera, pedindo-lhe uma dedicatória. Trocaram olhares e mais nada.

No aeroporto enquanto fazia palavras cruzadas para burlar o tédio e a lembrança do dia anterior, ouviu uma voz adocicada ao pé do ouvido:

- Suas palavras são fantásticas!

Virou-se em câmera lenta querendo não acreditar que se tratava de apenas mais uma peça que lhe pregara seus velhos ouvidos. Na verdade, não era. Era ela mesma. Conversaram por horas enquanto o vôo e as obrigações da vida real não lhes apartavam mais uma vez. Qual não foi a surpresa quando descobriram que iam para o mesmo lugar.
Outras surpresas ele havia descoberto enquanto tentava garimpar a conversa que tiveram por horas, durante a longa espera típica de aeroportos. Não se tratava de uma menina, como aparentava a idade. Já era mulher. Por bem dizer um pouco mais nova que ele, mas velha o suficiente para não lembrar com tanta clareza o que fizera aos 18. Não só boas surpresas haviam regado aquela conversa. Descobriu também que se tratava de uma noiva. Casaria-se em breve. Mesmo assim, deram ouvido à insanidade e combinaram de se encontrar. Seria no próximo carnaval.

Assim feito, esperou ansiosamente pelos dias de folia. Foi ao local combinado e esperou. Por horas em pé assistindo os blocos caricatos que tanto odiava. Estático, óculos escuros. Mais parecia um turista estrangeiro.

De repente, bem como os dias de carnaval, viu-a despontar na avenida. Estava linda. Não vestia fantasias. Estava ela, simples. À distância, lá estava o outro. Um verdadeiro grilhão que espreitava cada movimento.

Em meio a tanta alegria, fugiu. Fingiu que não o reconheceu. Passou de lado, deixando no ar seu delicioso perfume, que há essa hora, já se misturava com o cheiro da festa. Esgueirou-se e entrou num beco escondido percebido somente por bêbados e cavalheiros de bexiga cheia. Queria ser seguida. Atendeu-lhe o desejo. Logo atrás, imitando os passos leves, viu-se também naquele lugar que, antes dos cinco primeiros goles, poderia ser considerado inóspito. Ao entrar, de forma instantânea, foi arremessado contra a parede e beijado como há muito não experimentava. Não saberia precisar quanto tempo durou o beijo. Só sabia que o mau cheiro e o aspecto rude do cenário que os rodeada não lhe eram mais perceptível.

No fim, enquanto ainda criava forças para abrir os olhos e acreditar que não se tratava simplesmente de um sonho, ouviu um sussurro:

- Serei sempre sua, nas tardes de carnaval.

Ao abrir os olhos, nada mais havia senão homens caídos em cantos e a lembrança de um beijo inesquecível.

Correu de volta para a rua para tentar tê-la por mais alguns minutos, mas foi inútil. A multidão já era novamente homogênea e nada mais poderia ser feito para alcançá-la. Restava ao Pierrô apenas esperar pelo próximo ano quando encontraria mais uma vez, sua Colombina.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Sentença

Com uma xícara de café nas mãos, desponto minha memória para quarenta e dois anos atrás, enquanto tu estás a dormir no quarto ao lado. Ainda hoje conservo em meus olhos o instante de te ver: as minhas mão estrangeiras ao momento sem saber o que tocar, minha boca muda e curiosa por ti e meus olhos num brilho inédito. Esta recordação varre o presente cada vez que tenho para mim a confirmação de tua morte. Bebo o café num ato de autopunição, já que a doença que me corrói o estômago me aproxima de ti, e me guio até a porta de teu quarto.

Sob a rotineira – desde que o câncer te abatera – paisagem de tu a esmorecer na tantas outras vezes cama de amar, me escorre pelo rosto uma lágrima e uma incrível certeza: te amo. Como se de fato te tocasse, acaricio no vento o desenho de teus cabelos sobre o travesseiro. Viro-me e em direção ao piano vou escutando a tua música favorita. Tenho sobre meus ombros o peso de sessenta e seis anos, por isso talvez ande numa vagarosidade imensa. Firo suavemente as teclas, num desespero de te salvar da morte, meu coração se acelera e inevitavelmente sinto o ar fugir de mim.

O relógio – o mesmo desde quando te ouvi dizer que te casarias comigo - completa triunfante a melodia de minha agonia e me chama a atentar para o teu remédio. Novamente vou a teu quarto, mas desta vez entro e apanho o comprimido com um singelo copo de água e te desperto. Tu me sorris, retribuo e me retiro: não sei se ainda vivo.

Retorno à cadeira, completo com café o vazio da xícara e o meu vazio e volto aos prazeres da memória. Reouço tu a dizeres-me pela primeira vez sobre minha soturnice enquanto À beira da cama amarro meus sapatos. Esta cena nuca se repetirá e só agora então tenho a certeza de que as coisas entregues ao tempo se dissipam quando morremos e toda memória é simplesmente intransferível e tu nunca mais advertirás a mim sobre ser triste.

Sob o compasso pianíssimo de minha respiração, volto ao quarto e me deito ao teu lado, imerso na certeza de que o incerto amanhã é inútil: morro feliz.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Viagem de Volta (parte II)

...

O outro ônibus era mais vazio, e seu lugar preferido, ao fundo e perto da maior janela, estava sempre vago. Assentava sempre no mesmo lugar para pode refrescar-se ao sabor de uma brisa mais zangada que entrava pela janela e esvoaçava o cabelo que atrapalhara horas atrás, ainda durante a aula.

Era justamente na aula em que pensava durante essa segunda metade do trajeto. Hoje em particular pensava no breve momento em que ficou fora da aula e ganhou aquele abraço. Foi um abraço bem mais interessante que os outros que recebera anteriormente. Ela vinha correndo e pulando com uma atitude infantil, mas com seu corpo de mulher. Era grande, quase de seu tamanho, tinha as pernas normais, nem finas nem grossas. Sua barriga era do tamanho que lhe atraia, nada daquelas modelos magrelas das quais sua mão ficava rindo enquanto assistia programas de moda na companhia de um pote de sorvete. Os seios eram fartos e naquele dia estavam cobertos por uma camiseta regata, com um decote interessante, e que tinha escrito uma palavra que não conseguia pronunciar, algo parecido com excesssiiiisssiiisssiiima. O rosto era branco com uma tonalidade rosada nas maçãs e os cabelos eram negros e longos. Naquele dia em especial, perdeu mais tempo pensado no abraço que ganhara mais cedo do que nas coisas que aprendera durante toda a manhã. Foi um abraço involuntário, forte e que colava o corpo dos dois como em um só. Um ou outro mais desavisado acharia que se enamoravam.

Nessa hora voltou-se para dentro do ônibus e viu que já estava bastante cheio. Menos de pessoas e mais de seu sentimento de culpa. Culpava-se severamente por admirar outra tendo ao lado de casa alguém que lhe amava. Culpava-se por outros motivos, mas nenhum tão forte como este. Culpava-se tanto que, naquele momento, queria não mais uma faca fincada em seu peito, mas sim uma quantidade infinda de facas garfos ou outros talheres cortantes que pudessem ser o suficientemente fortes para lhe tirar a vida.

Achava sua vida muito triste. Conhecera outrora outras mais tristes, mas nenhuma que lhe comovia tanto e lhe escorriam tantas lágrimas como a sua própria. Comovia-se facilmente. Lembrava de uma vez que chorou ao terminar de ver um filme italiano que falava de cinema, meio que uma metalinguagem.

Depois de tantos pensamentos impossíveis para uma viagem, chegou ao seu destino. Sabia que seu encontro com sua musa que vestia camisetas com palavras impronunciáveis havia, por ora, terminado. Sabia que só voltaria a vê-la nos sonhos da sesta. Nos dias que se seguirão, terá, com certeza, mais histórias para contar a si mesmo. Histórias que lhe deixarão felizes, que lhe deixarão triste ou o mais provável, histórias que lhe erguerão um sentimento de culpa, que lhe envolverá e o deixará livre somente quando voltar para casa e terminar mais um conto.