De malas prontas, não conseguia lembrar bem o que acabara de colocar. Estaria levando tudo que precisaria? Certamente que sim. Estaria, talvez, levando bagagem em sobejo: Suas boas lembranças.
Ia retomando, uma a uma, enquanto as tentava tirar da cabeça. Lembrava-se de quando tudo começou: Uma excursão fadada ao fracasso. Já adulto, sua mãe lhe comprara um pacote de viagem para crianças. Em especial para as recém debutantes. À época sentia-se ainda mais velho. Circunstâncias da vida fizeram-lhe envelhecer de forma anacrônica. Mas a verdade é que ainda era bastante jovem.
Naquele tempo, determinou-se a fazer tudo dar certo. Depois de alguns dias de viagem tentou relaxar e se esquecer dos problemas que fizeram- lhe envelhecer. Assim o fez: foi a uma boate badalada do local. Iniciou bastante tímido, quase como se sentisse vergonha de estar ali. Aos poucos as tensões corporais foram sendo deixadas de lado até que, por sugestão do barman, experimentou uma bebida local, carinhosamente chamada de “Bruja”. Aqui, chamaríamos de “Bruxa”. Simpático nome para uma bebida. Depois do terceiro trago, viu que o nome não era em vão. Mais parecia ter tomado um feitiço, uma poção mágica ou qualquer coisa que o valha. Naquele momento sentiu-se o próprio português decente e recatado de Aloísio de Azevedo que, ao experimentar as “delícias” da baiana, perverteu-se.
Sentindo-se nos seus melhores 16 anos, dançou. Dançou até que os joelhos reclamassem. De nada adiantou, continuou a dançar. Sem perceber como tudo começou, já dançava com uma das recém-debutantes do seu pacote de viagens frustrado. De fato, era linda, e só assim limitava-se a descrevê-la. Em dias últimos, a viagem não duraria muito mais tempo. Passaram todo o tempo que lhes restavam juntos. Parecia que já se conheciam há anos. Besteira! A pequena mal tinha idade suficiente para conhecer alguém “há anos”.
Quando retornaram o mundo real encarregou-se de apartá-los. Mantiveram contato por algum tempo. Mas viram que a vida não era a poesia de outrora e desistiram de lutar contra a distância. Triste fim para uma história tão emocionante.
Ele ainda pensava nela. Todos os dias. Em alguns dias, mais de uma vez.
Deixando de lado suas boas lembranças de lado, voltou a si quando o motorista do taxi informou-lhe que já haviam chegado ao aeroporto.
Tentava não perder-se em pensamentos enquanto fazia o check-in. Era importante que se mantivesse lúcido. Cumpridas as formalidades, tomou um café e recostou-se. Camisa social azul, óculos escuros, sentou-se sobre uma das malas, comprou algo para ler.
Passado alguns minutos, num movimento involuntário ergue o olhar sobre as folhas e avista. Ela entrava no aeroporto, contra o sol, o cabelos negros e brilhantes esvoaçado pela leve brisa que entrava pela porta recém aberta. Ele parou a leitura, levantou-se e retirou os óculos: olha.
Ela não diz nada, corre nos últimos metros que os separam, e pula dando-lhe um abraço infantil. Sussurra no seu ouvido – vá com Deus – dá-lhe um beijo no rosto, vira-se e vai embora. Ele, ainda absorto com a cena que acabara de viver, grita – Aonde você vai? – ela, quase na porta de entrada, agora de saída, responde – Sair do seu sonho, já passa da hora de acordar.
Nesse momento, recobrou a consciência e reparou que acabara de ter mais um de seus devaneios. O alto-falante informava o embarque. Já era hora de ir. Voltar ao lugar frio para, quem sabe, reviver os alguns dos bons momentos do passado.