Lera para ela mais um de seus contos. Aquele que falava sobre a realidade. Aquele que o qualificava como burocrarazinho intitulado, benevolentemente, de conciliador.
O silêncio era mórbido. Já começava a pensar que não havia sido uma das suas melhores idéias. Enquanto ela relia o conto em voz baixa, ele pensava nas palavras que havia usado naquele conto. Definitivamente tinha que encontrar um sinônimo para “outrora”. Se um desajuizado algum dia tivesse a idéia de compilar seus contos em um só livro, esse livro com certeza se chamaria: Outrora.
Por que procurar outras palavras? “Outrora” dava um sentido lusitano. Meio erudito. Exatamente o que gostaria de passar
Ela havia terminado a leitura. Rira uma ou duas vezes enquanto se deliciava com aquele punhado de bobagens que ali estavam escritas.
- Gostei muito da forma como você me definiu. Disse ela rindo – como sempre.
- Que forma? Desculpe-me se tentei te definir com minhas palavras pobres. Nunca foi minha intenção;
- Não se desculpe. Nunca haviam me chamado de “garota doutro lado das montanhas. De depois das estradas sinuosas, de uma cidade incrustada num vale.” Achei bastante poético.
O silencio fez-se mórbido mais uma vez.
- Só gostou da minha “definição de você”? Perguntou ele com um ar pesado de descontentamento.
- Claro que não. Gostei muito da forma como você se lembrou de mim. Se este conto narra a verdade, você lembrou-se de mim muito rápido
- Não me lembrei de você. Lembrei-me de nós!
- Por favor, não comece! Achei que tudo isso já estava superado. Você esta praticamente casado, e eu estou muito feliz com meu novo amor. Ainda por cima, este conto já tem quase 10 anos. Não é possível que este final ainda reflita alguma realidade.
- Me desculpe, faz anos que eu não leio este conto. O que diz na parte final?
- Beijaria...
- Sim, agora me lembro. Ainda me recordo daquela tarde como se fosse ontem. Você disse que está feliz. Está mais feliz com ele do que foi comigo?
- Por favor, não me faça essa pergunta.
- Você tem medo de buscar a resposta dentro de você mesma?
- Por favor. Pare!
- Qual é o seu problema? Tem medo de admitir que tivemos mais do que “um amor” de verão?
- Não sei bem o que tivemos, mas seja lá o que tenha sido não existe mais...
Foram algumas das palavras mais cortantes que já escutara até então. Poucas vezes experimentara essa sensação de estar totalmente entregue à loucura de outra.
Pela terceira vez fez-se silencio. Dessa vez o silencio era fúnebre.
- Vou embora – disse ela – tenho outras coisas pra fazer.
- Não minta. Quando você mente suas bochechas ficam coradas, e seus lábios ficam secos... Não combina com você!
- Pois bem. Vou me encontrar com meu namorado. Marcamos de almoçar hoje.
- De posse da verdade, posso te pedir que fique?
- Por favor, não me peça isso.
- Por que não?
- Porque há 10 anos eu lhe pedi que não fosse, mas você não me escutou. Então eu abençoei sua ida e rezei para que voltasse. O que nunca aconteceu.
- Tente me entender! Éramos muito jovens. Você morava em outra cidade. Eu era irresponsável, inconseqüente...
- Sim, concordo. Agora somos muito velhos, responsáveis e conseqüentes. Não podemos nos dar ao luxo de nos jogar ao acaso mais uma vez.
Olhou aflita no relógio e viu que já passava de uma da tarde.
- Desculpe, não posso ficar mais. Realmente tenho que ir.
- Mas você volta?
- Não
- Por quê?
- Acho que já discutimos bastante sobre isso...
Ele não tinha mais argumentos. Ela levantou bruscamente da cama, vestiu-se, pegou sua bolsa e saiu pela porta da frente, deixando-o, para sempre.
2 comentários:
é...
"nós só damos valor as coisas ou pessoas qdo a perdemos "
essa frase diz mt.
beijos ^^
Nada de valorizaçao tardia..
Eh nostalgia mesmo.
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