sábado, 9 de fevereiro de 2008

Outros Carnavais

O carnaval despontava na janela. Os foliões trocavam os dias pelas noites. Alguns mais animados não se davam conta da efêmera distinção entre dia e noite. As marchinhas fora de moda se mostravam mais modernas do que nunca e embalavam os corações embriagados.

Não gostava de carnavais. Não se identificava com foliões nem com marchinhas. Essas últimas o faziam lembrar sua avó que, enquanto viva, adorava pô-las a tocar numa antiga vitrola. Naquele ano já não tinha sua avó a ouvir marchinhas, mas tinha um motivo especial para simpatizar com o feriado: Uma jovem. Melhor ainda: Uma jovem casada.

Conheceram-se em um congresso chatíssimo. Ele era palestrante. Alto gabarito, em todo lugar que ia, arrastava multidões, estudantes ou não, ávidos por parasitar alguma parcela de seu conhecimento. No final de cada palestra, sempre o mesmo furor: Todos os olhos atentos e irrequietos transformavam-se em leões vorazes por uma dedicatória em um livro ou mesmo um simples aperto de mão.

Daquela vez não foi diferente. Terminada a palestra, foi atacado por seus ouvintes. Já acostumado com o assédio, tratou-os com a naturalidade e paciência costumeira. Até que, em meio à multidão que o rodeava, ele a viu. Baixa, magra, cabelos longos e negros. De olhos tristes, não aparentava ter rompido sequer a linha dos 18. De coração disparado, mãos trêmulas o suor já tomara conta de todos os rincões de seu corpo. Apesar do notório desequilíbrio, fingiu estar tudo bem, até que a pequena aproximou-se, agarrada a um livro como uma menina em seu diário. De cabeça baixa, entregou-lhe o objeto, soltando-o num desabrochar, feito flores na primavera, pedindo-lhe uma dedicatória. Trocaram olhares e mais nada.

No aeroporto enquanto fazia palavras cruzadas para burlar o tédio e a lembrança do dia anterior, ouviu uma voz adocicada ao pé do ouvido:

- Suas palavras são fantásticas!

Virou-se em câmera lenta querendo não acreditar que se tratava de apenas mais uma peça que lhe pregara seus velhos ouvidos. Na verdade, não era. Era ela mesma. Conversaram por horas enquanto o vôo e as obrigações da vida real não lhes apartavam mais uma vez. Qual não foi a surpresa quando descobriram que iam para o mesmo lugar.
Outras surpresas ele havia descoberto enquanto tentava garimpar a conversa que tiveram por horas, durante a longa espera típica de aeroportos. Não se tratava de uma menina, como aparentava a idade. Já era mulher. Por bem dizer um pouco mais nova que ele, mas velha o suficiente para não lembrar com tanta clareza o que fizera aos 18. Não só boas surpresas haviam regado aquela conversa. Descobriu também que se tratava de uma noiva. Casaria-se em breve. Mesmo assim, deram ouvido à insanidade e combinaram de se encontrar. Seria no próximo carnaval.

Assim feito, esperou ansiosamente pelos dias de folia. Foi ao local combinado e esperou. Por horas em pé assistindo os blocos caricatos que tanto odiava. Estático, óculos escuros. Mais parecia um turista estrangeiro.

De repente, bem como os dias de carnaval, viu-a despontar na avenida. Estava linda. Não vestia fantasias. Estava ela, simples. À distância, lá estava o outro. Um verdadeiro grilhão que espreitava cada movimento.

Em meio a tanta alegria, fugiu. Fingiu que não o reconheceu. Passou de lado, deixando no ar seu delicioso perfume, que há essa hora, já se misturava com o cheiro da festa. Esgueirou-se e entrou num beco escondido percebido somente por bêbados e cavalheiros de bexiga cheia. Queria ser seguida. Atendeu-lhe o desejo. Logo atrás, imitando os passos leves, viu-se também naquele lugar que, antes dos cinco primeiros goles, poderia ser considerado inóspito. Ao entrar, de forma instantânea, foi arremessado contra a parede e beijado como há muito não experimentava. Não saberia precisar quanto tempo durou o beijo. Só sabia que o mau cheiro e o aspecto rude do cenário que os rodeada não lhe eram mais perceptível.

No fim, enquanto ainda criava forças para abrir os olhos e acreditar que não se tratava simplesmente de um sonho, ouviu um sussurro:

- Serei sempre sua, nas tardes de carnaval.

Ao abrir os olhos, nada mais havia senão homens caídos em cantos e a lembrança de um beijo inesquecível.

Correu de volta para a rua para tentar tê-la por mais alguns minutos, mas foi inútil. A multidão já era novamente homogênea e nada mais poderia ser feito para alcançá-la. Restava ao Pierrô apenas esperar pelo próximo ano quando encontraria mais uma vez, sua Colombina.

6 comentários:

Sentimentalidades-Todas disse...

Docemente excitante.
Nostálgico como, o já sentido velho, carnaval que acabou de nos atravessar.

Sempre fiel a leitura de seus contos inventados. São memoráveis

Abraços

Anônimo disse...

adooooooooooooro o carnaval *______*

Lamar de Alcântara disse...

Eu também Camila... passei a adorar carnavais!

Sentimentalidades-Todas disse...

recado p vc no Sentimentalidades..
Abraços!

Jeniffer Santos disse...

eu odeio amores de carnaval...amores de verão =/

porém adorei o conto,parabéns!

beijos ^^

Vita Brevis disse...

Ah os amores de Carnaval... há pouco vivi um tão intenso quanto o deste conto!

Lindas histórias, como sempre!

Beijos,
Rafaela