domingo, 3 de fevereiro de 2008

Viagem de Volta (parte II)

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O outro ônibus era mais vazio, e seu lugar preferido, ao fundo e perto da maior janela, estava sempre vago. Assentava sempre no mesmo lugar para pode refrescar-se ao sabor de uma brisa mais zangada que entrava pela janela e esvoaçava o cabelo que atrapalhara horas atrás, ainda durante a aula.

Era justamente na aula em que pensava durante essa segunda metade do trajeto. Hoje em particular pensava no breve momento em que ficou fora da aula e ganhou aquele abraço. Foi um abraço bem mais interessante que os outros que recebera anteriormente. Ela vinha correndo e pulando com uma atitude infantil, mas com seu corpo de mulher. Era grande, quase de seu tamanho, tinha as pernas normais, nem finas nem grossas. Sua barriga era do tamanho que lhe atraia, nada daquelas modelos magrelas das quais sua mão ficava rindo enquanto assistia programas de moda na companhia de um pote de sorvete. Os seios eram fartos e naquele dia estavam cobertos por uma camiseta regata, com um decote interessante, e que tinha escrito uma palavra que não conseguia pronunciar, algo parecido com excesssiiiisssiiisssiiima. O rosto era branco com uma tonalidade rosada nas maçãs e os cabelos eram negros e longos. Naquele dia em especial, perdeu mais tempo pensado no abraço que ganhara mais cedo do que nas coisas que aprendera durante toda a manhã. Foi um abraço involuntário, forte e que colava o corpo dos dois como em um só. Um ou outro mais desavisado acharia que se enamoravam.

Nessa hora voltou-se para dentro do ônibus e viu que já estava bastante cheio. Menos de pessoas e mais de seu sentimento de culpa. Culpava-se severamente por admirar outra tendo ao lado de casa alguém que lhe amava. Culpava-se por outros motivos, mas nenhum tão forte como este. Culpava-se tanto que, naquele momento, queria não mais uma faca fincada em seu peito, mas sim uma quantidade infinda de facas garfos ou outros talheres cortantes que pudessem ser o suficientemente fortes para lhe tirar a vida.

Achava sua vida muito triste. Conhecera outrora outras mais tristes, mas nenhuma que lhe comovia tanto e lhe escorriam tantas lágrimas como a sua própria. Comovia-se facilmente. Lembrava de uma vez que chorou ao terminar de ver um filme italiano que falava de cinema, meio que uma metalinguagem.

Depois de tantos pensamentos impossíveis para uma viagem, chegou ao seu destino. Sabia que seu encontro com sua musa que vestia camisetas com palavras impronunciáveis havia, por ora, terminado. Sabia que só voltaria a vê-la nos sonhos da sesta. Nos dias que se seguirão, terá, com certeza, mais histórias para contar a si mesmo. Histórias que lhe deixarão felizes, que lhe deixarão triste ou o mais provável, histórias que lhe erguerão um sentimento de culpa, que lhe envolverá e o deixará livre somente quando voltar para casa e terminar mais um conto.

2 comentários:

Johnn. disse...

Imensamente belo, Lamar.

QUe talento, que talento!

Luiza Liz disse...

Estou realmente redescobrindo o mundo do blog, e nossa, parabens
Achei tão por acaso o blog, lindo os textos, esse em especial

:*