quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Viagem de Volta (parte I)

Os dias passavam e em todos eles descia aquele enorme morro escutando a mesma música japonesa e pensando nos beijos que ainda não havia dado. A música era um pouco animada e falava alguma coisa sobre flores. Não sabia, às vezes, simplesmente gostaria que falasse de flores e de beijos. Ficava sempre esperando que a música acabasse pra que começasse a ler. Lia poesias de um poeta chinfrim que lhe dera um livrinho com seus poemas igualmente chinfrins enquanto andava por uma praça no centro da cidade.

Durante a música japonesa que falava de flores e de beijos pensava naquela e na outra. Sentia-se culpado. Não poderia pensar nas outras. Tinha de pensar Nela! Escrevia contos vagabundos ao chegar em casa. Não sentia a menor vontade de continuar fazendo o que fizera anteriormente. Sentia a vontade única de ganhar na loteria e sair pra bem longe. A sorte de outrora não lhe acompanhava mais. Sentia-se largado ao léu, à deriva do destino, sem uma bússola norteadora de sentidos. Poucas vezes sentira tanto a falta de uma faca em seu peito como naquela hora. Talvez naquele dia em que desligou o telefone no meio da rua, ou... Não, nunca sentira tanta vontade de ter uma faca cravada bem fundo em seu peito.

Qual era a sua culpa? Havia simplesmente acabado. Ela era única que não percebia. Nada mais dava certo. Até mesmo o certo dava errado. Como um imã atraia outras e outras que eram sistematicamente ignoradas. O bem-querer era o único fio que os mantinham ligados. Fio tenro que não era suficiente para uni-los novamente.

Da janela daquele mesmo ônibus, onde escutava aquela mesma música japonesa que falava de flores e beijos, olhava para o alto e desejava com todas as suas forças que sua vida fosse guiada por um narrador onipotente e onipresente, mas também com outro atributo menos vigoroso, porem de maior utilidade no momento: piedade.

Procurava, durante toda descida, respostas para perguntas que nem sequer faziam sentido. Teimavam em cair algumas lágrimas agridoces, mas isso já era comum. Temia até mesmo ter algumas alcunhas correntes na boca dos outros usuários do ônibus. Para ser mais franco, não temia. Tinha uma ligeira vergonha, mas era só isso. Questionava inclusive a utilidade de seus questionamentos, mas quando chegava a esse ponto, já estava na hora de trocar de ônibus....


...Continua...

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Achei que este conto tomou um tamanho exacerbado, portanto, divido-o em duas partes para não cansar os queridos leitores que me brindam com a vossa presença. Grande abraço

P.S.: De volta de viagem, aguardem novíssimos contos.

2 comentários:

Sentimentalidades-Todas disse...

Acho que o conto cabia na integra aqui. Minha curiosidade é quem fala isso.

Esperei ansiosamente o retorno de suas linhas. Fiquei feliz da espera ter findado assim, na companhia de um texto tão instigante.

Que as férias tenham sido agradáveis. Seja bem vindo.

Mil Abraços!

Vita Brevis disse...

Louca para ler a continuação deste conto!

Beijos,
Rafa