quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Multiplex

Não gostava de aquários nem de shopping centers. Edu, que morava no quarto ao lado do seu, quase porta-com-porta, tinha um aquário enorme, lotado de peixinhos de todas as cores, e perdia horas do seu dia cuidando, limpando, conversando com os peixes. Peixes estes que, tinha CERTEZA, odiavam ficar ali, presos, olhando aquele homem idiota fazendo barulhos que eles não entendiam. Pra completar, Edu trabalhava no cinema do shopping. "Multiplex", dizia com voz de horror.

Eram três portas, mas Lucia, dona da terceira, saía mais cedo e chegava mais tarde do que eles podiam compreender. E, naquela manhã, do alto de seu apartamento no segundo andar, Mariana ouvia os carros passando como que dentro da sua sala, e aumentava um pouco mais a tv. Edu chegou, pediu que ela abaixasse o volume e foi pro quarto cuidar dos peixes.

Se sentia sozinha demais naquele apartamento onde viviam três pessoas. Não tinha com quem conversar, não tinha pra onde ir. Tinha medo do escuro e de quando as janelas batiam em noites de temporal. Tinha nervoso de portas entreabertas e de torneiras pingando, de pessoas que andavam só de meias e de pessoas que dormiam de barriga para cima. Sabia que o problema não era a sempre ausente Lucia, ou os peixes, ou o aquário, ou o maldito multiplex.

O problema era ele, com seus peixes, sua barriga pra cima, suas meias encardidas, seu curso de francês e as palavras em francês no meio das conversas, o jeito como ele gesticulava e como olhava e como mexia a boca quando jantavam juntos e como amarrava os sapatos segurando os cadarços de uma maneira que só ele sabia... o problema era ele.
E se...? Um calor percorreu seu corpo. Sentiu toda a coragem do mundo sob seus pés, como que a levantando. Foi como se estivesse voltando de Oz: via tudo diferente agora, de repente, sem a ajuda de ninguém. Calçou suas havaianas lilás e já ia andando em direção à porta ao lado quando a campainha tocou.

- Oiiia! Mwaah! Mwaah! E aía?*

Era Lílian, a loira, a de saltos, a de lábios grossos e cintura fina. Lílian que fazia faculdade de moda e assistia a programas de moda e lia revistas de moda e trabalhava como gerente de uma loja *da moda* no shopping e ai, como ele pode gostar dela, como? Abriu a porta, dois beijinhos. Vontade de colocar o pé na frente pra Lílian tropeçar, ver se o penteado se desfazia, se a maquiagem borrava. Lílian, que acordava pronta pra um comercial de margarina.

Sentou no sofá e aumentou a tv, tentando ensurdecer seus pensamentos

4 comentários:

Márcia disse...

Quantas vezes desejamos ter a cabeça vazia de pensamentos bobos?
Ainda bem que nem toda gente é igual...ainda bem.
Lindos dias,flor
beijos

Johnn. disse...

uooou!

muito obrigado pelo comentário...sempre visito o blog de vocês dois e me encanto com seus textos!

sou fã dessas cenas cotidianas...

Vita Brevis disse...

O dia-a-dia é mesmo inesplicável... mais uma crônica que me encantei!

Beijos!
Rafaela

Jeniffer Santos disse...

os opostos se atraem?!

heheh ;D


mt bom ;)


beijos!