quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Distância



Chovia. Chovia torrencialmente. De fato, não sabia bem o que queria dizer a palavra “torrencialmente”. Ouvira inúmeras vezes naquele boletim do tempo que assistia todas as madrugadas de insônia. Achava que chuva não se classificava como “torrencial”, cúmulos nimbos não passavam de algo acumulado e precipitação não era mais do que alguém que agira sem pensar.

Distantes um do outro conversavam, ainda que sem, sequer, lembrar o timbre de voz que cada um detinha, em suas bocas que mal se abriam:

- Infelizmente não poderemos nos encontrar amanhã. – Disse ele, com ares de desdém.

- Então porque falou que vinha? Não precisava me deixar na expectativa. – Resmungou ela, como quem fingia que se importava.

- ...

- É até bom mesmo que não venha. Não teria tempo de me encontrar com você. Tenho coisas pra fazer.

- Não achei graça...

- Depois de “anos”, você diz que vem me ver, me deixa apreensiva e agora, assim, de última hora desiste? Por Deus, não sou eu a “sem graça”.

Nesse momento a chuva torrencial se transformara numa tempestade. Relâmpagos clareavam o céu revelando uma infinidade de nuvens. Não parecia mais uma chuva de verão. A noite já se delongava mais do que o necessário. Ademais, ainda que fosse se deitar não conseguiria dormir.

Ouviu-se um estrondo. Toda a casa escureceu-se. Uma queda de energia providencial partiu a conversa ao meio. Ele aproveitou para acalmar-se. Acendeu um resto de pito, respirou ar puro na sacada, sentiu as gotas de chuva trazidas pelo vento, tomou um gole de café velho. Rodou mais um pouco pela casa, entrou no próprio quarto, tropeçou em algumas malas feitas pela metade. Surpreendeu-se com a luz que voltara, repentina. Era hora de voltar ao telefone.

- Por que desligou na minha cara? – Atendeu Ela sem, sequer dizer “alô”

- Não desliguei. Fiquei sem energia.

- Por que você não vem mais? – Agora, dizia Ela sem esconder a tristeza que realmente sentia.

- Não sei. Ligaram-me da empresa cancelando a reunião. Não fui eu que atendi. Quando cheguei em casa havia um recado na geladeira: “Amor, ligaram desmarcando a reunião. Disseram que retornariam a ligar marcando nova data...”

Esqueceu-se de mencionar que lera somente o prólogo do recado. Além dos milhões de corações desenhados pela esposa no surrado rascunho, o recado continuava com juras intermináveis de amor eterno. Mais parecia uma folha de caderno de uma colegial, ainda absorta pelo efeito entorpecente de um primeiro amor.

- Entendo. Você está certo. A família vem em primeiro lugar. – Disse, falsamente conformada.

- Se eu mesmo tivesse recebido o recado. Teria arrumado um jeito de continuar com tudo isso. Contaria alguma mentira, ou qualquer coisa do gênero.

- Mentira...

- Juro! Você sabe que...

- Por favor, não comece novas mentiras que não é capaz de sustentar.

- ...

- Parece que não nos vemos há séculos, estou me consumindo de saudade.

- Deve ser por isso que nos damos tão bem. Distância!

- Será esse o segredo?

No mesmo momento, ouviu-se um destrancar de portas. Sua esposa chegava em casa. Apressou-se em desligar.

- Quem era a esta hora? – Perguntou a recém-chegada.

- Ninguém importante...

- Era ela? Sua amante?

- Sim... – Respondeu Ele com certo pudor.

- ...

- Como foi o trabalho?

- Poucos clientes... No fim do mês o movimento cai muito. Eles preferem ficar em casa. Essa chuva também, não ajuda em nada...

Não se ouviu mais nenhuma palavra naquela noite. Cúmplices, deitaram aconchegando-se, cada um no canto que lhe cabia da cama. Tentaram dormir, mas foram impedidos, no final das contas, pelo excesso de café, ou de peso em suas consciências.

3 comentários:

Unknown disse...

Saca soh, TutucozinhoinhoINHO!
Surreal o cacete!
AUHEuHAeuHAAEHuHAE
(A)


=***

Vita Brevis disse...

Este é muito denso e surpreendente... fiquei o texto inteiro pra descobrir que Ela era uma amante!

Adorei! Você escreve muito bem e deve ter uma imaginação incrível!

Obrigada pelos comentários no meu!

Beijos!
Rafaela

p.s.: Eu e um amigo estamos curiosos: o título do blog é proposital??

Jeniffer Santos disse...

Hum...
menino...acho que a esposa dele tb tem um amante ;)
kkkkkkkkkkkk!

para aceitar assim numa boa...ou então,a esposa é a amante...e a amante é a esposa...

o.O

viajei legal n foi?

hauahuahuah!

*eu tb kero saber o pq do nm do blog.
;)