domingo, 25 de novembro de 2007

Recorte ou recarta

Não havia motivo nenhum para a biblioteca estar fechada. Ou o destino existe mesmo e ainda tranca bibliotecas. Com aqueles dois livros na mão, eu fiquei quase vinte minutos olhando aquela porta que nunca abria. Fiquei olhando, enquanto cerca de duzentas pessoas passavam, me olhavam e riam por eu estar com livros na mão. Riem da literatura, veja você! O fato é que sexta-feira sem passar na biblioteca para pegar livros para o fim de semana não me valia de nada. O que eu faria, sairia para festas? Com treze anos? Nesta cidade? Nesta cidade quase não há festa! Quando há são aquelas comemoraçõezinhas sem qualquer importância. Digo: para mim desimportantes, já que a vida de muita gente depende dessas comemoraçõezinhas. Indiferentemente, crianças e adultos olhavam para mim à espera de que a biblioteca logo se deslacrasse para eu finalmente pegar meus livros. Então surgiu-me a idéia de que dia dois de novembro a biblioteca não funcionaria. Sem qualquer tato para isso, acordei às sete da manhã para aprontar-me ir atrás de meus amigos livros. Na verdade, estava indo atrás de você, Clarisse.
Por que você me surgiu com seu vestido amarelo? Por que seus cabelos negros magneticamente atraíam meus olhos, Clarisse, quando eu apenas treze anos contava e sequer sabia o que era o amor? Se você não tivesse a maldita mania de conversar com qualquer pessoa talvez eu estaria a salvo dessa tortura de quase trinta anos. Metade de meus cabelos brancos que agora surgem são mais seus. Você dançava e cantava pela praça e ainda foi a única a não me olhar estranho. Não como os outros me olhavam. Você me olhava como quem queria meu querer. Mas tudo sem querer alguma coisa. Apesar de todo esse tempo, quase toda madrugada quando o café não me afetou ainda você vem me dizer seu nome sem eu nunca tê-lo te perguntado. "Eu sou a Clarisse, menino do livro". Ah!, por quê você inventa de me torturar? Clarisse, olha, eu nunca acreditei no amor eterno, mas no ódio eterno eu acredito. Eu te odeio, Clarisse. Te odeio por deixar minha vida mais escura.
Sei que você não deverá ler esta carta, quando ela chegar você já deverá ter-se ao encontro daquele velho holandês ruivo. Porém, Clarisse, me diga: se eu te odeio tanto, qual a razão de você estar presente em cada segundo do meu dia? Com que objetivo senão te ver eu iria ainda àquele lugar, àquela praça já cinza, outrora verde? Clarisse, detesto admitir, mas eu te amo, Clarisse. Te amo como se fosse dia dois de novembro. Te amo porque de fato é dois de novembro. Te amo porque há trinta anos você vem deixando você em cada parte do mundo, em cada único segundo e em cada dor. Te amo, Clarisse, porque apesar de não acreditar nisso você é a personificação do próprio amor.


Um toque suave em sua testa, como naquela manhã,
B.M.

5 comentários:

Vita Brevis disse...

Amor e ódio andam lado a lado... incrível como a oposição forma um casal tão perfeito!

Mais uma parte da história de seu amor por Clarisse, mais um texto pelo qual me apaixonei!

Parabéns!

Rafaela

Anônimo disse...

lindo.

Ana Nogueira Fernandes disse...

nossa, fantástico!

Ana Nogueira Fernandes disse...

as palavras são vagas para demonstrar a euforia depois de uma boa lida.

Vita Brevis disse...

Creio que o amor e ódio sejam dois lados de uma mesma moeda... Quando amamos, variamos entre amar e odiar. Não ser correspondido no amor gera ódio, muito ódio, mas também não deixa de ser a expressão de um grande amor.

Respondendo a outra pergunta, creio eu que sua história seja verídica. Ou você incorpora muito bem suas personagens.

Já escrevi demais, é isso!

Rafaela