terça-feira, 20 de novembro de 2007

Veneno comovente

-E nem se eu te beijasse agora a gente poderia ter certeza que seria a última vez. Mas por agora, é a última vez. A gente tem completa certeza de que não fomos mais que amantes.
-Olha, eu não ach...
-Tenho vinte e um anos e nem mesmo sei se te amei. Nem mesmo sei se era você que eu estava levando para a praia domingo, quem eu pegava na mão. Talvez você tenha sido um prolongamento.
-Agora você me machucou.
-Exatamente como ela me aparecia...sim!, me desculpe, Débora, mas Clarisse me chorava bem mais mansamente. Vem cá, não fica assim não. Ai, também não me bate. Caramba!, não se pode ser sincero nesse mundo. Débora, escuta, olha...eu só estou te dizendo que eu nunca amei você. Mas não estou dizendo que nunca gostei de você e que seu corpo em meu corpo foi um desperdício. Ou que sua língua a percorrer-me foi um exagero de minha parte. Nessa parte eu fui sincero. Eu senti prazer. Só não senti amor.
-Seria bom se você calasse a sua boca, seu maldito!
-Eu quero que você perceba, Débora, que Clarisse está em mim. Deve ser minha penitência terrestre aquela mulher me rondeando o pensamento, o sono e a insônia. Débora, você sabe onde está Clarisse agora?
-... - E ela me matou com aquele olhar. É, nós realmente não seríamos amigos.


Nenhuma meretriz deu-me o corpo de Clarisse. Assim como nenhuma moça de família fazia-me a sala como Clarisse. E nem eu a essa altura saberia dizer se amava Clarisse ou se queria vê-la morta para ver meus problemas resolvidos. Sei que na noite imediatamente posterior à minha discussão com Débora, Clarisse me telefonou envenenando meus ouvidos e oferecendo um ombro para meu pranto. E lá me fui, homem, deitar-me naquele colo, naquele perfume, naquela rosa. Lá me fui. Guardei-me entre suas pétalas selvagens, sua rosa desabrochada. Seu néctar vervente. Meu veneno comovente.
Clarisse me roubou um beijo no meio da noite e me chamou de seu. Aproveitei minha entorpecência e fiz-lhe um poema. Infelizmente não o tenho aqui para mostrá-lo, mas havia um verso que roubei de um chileno que usava boinas - aliás, estava tão ébrio que fiz o poema todo em meu mau espanhol: quiero hacer contigo lo que la primavera hace con los cerezos. Clarisse riu-me de lado, como quem dissesse um gracejo do verso. Clarisse era dura feito pedra. Eu estava disposto a lapidá-la.
Quando levantei-me de sua cama, Clarisse já se tinha ido. Tomei um café mal passado por ela mesma e juntei minhas meias a meus sapatos naquela desordem de amor. Clarisse era fantástica!, deixava seu perfume ao longo de cada passo que eu dava pela casa. Não podia escapar. Clarisse ficou três dias sem voltar à própria casa.Quando regressou, não mais lá estava. Soube por um amigo que acabara de "visitá-la". Clarisse, veja só, não passava de uma puta.

2 comentários:

Vita Brevis disse...

Clarisse poderia até ser uma puta, mas você (o narrador) a amou como nenhuma outra mulher... como é curioso o amor, não?

Lindo o texto, assim como anterior... adorei a citação a Neruda, sou muito admiradora de seus versos.

Parabéns mais uma vez!

Rafaela

Unknown disse...

Meio Luciola meio Bras Cubas?
XDD