domingo, 20 de janeiro de 2008

Lamar

Por estes lados, muitas noites se afugentam em bares que abrigam a arte - a irônica arte de existir. A cada gole de cachaça brasileira nasce um verso. Pouco me importo com isso. Existiu em Viana um grande lugar obscuro chamado "Pont'art", com suas madeiras escuras corroídas pela tristeza de toda a gente e focos disformes de luz. No fundo do bar – que era português mesmo, visto o fado – havia uma seleta roda de jogadores de dardos. Em Lisboa, quando criança, fui fascinado por jogos de arco-e-flecha, mas a adolescência beberrona e musical levou-me logo a perceber que nos dardos fatais eu encontrava meu jogo de talento. O frio que consumia Viana mais parecia brotar dos alegres olhos tristes dos que se punham às mesas. Por cerca de três horas, lucrei dinheiro suficiente para estender minha permanência na cidade por mais um longo e iliterário mês. Quando se escasseavam os adversários, aproximou-se-me um homem que não diria velho por trás de sua face curiosa e sua mal-feita barba a devorar-me com os olhos, como se nos conhecêssemos. O homem que me parecia mais olhos em suas palavras poucas disse-me que há muito não atirava um dardo. Começamos a partida, amistosa apenas, com minha vitória ao fim.

Sentamo-nos a beber – prêmio por ele me oferecido graças a minha vitória – e a conversar. Lamar tinha voz firme e sotaque de Lisboa. Falava inglês e sabia todos os fados. Eu, que estava a terminar um livro, encontrei-o escritor e conversamos um pouco sobre literatura, vida e outros desesperos mais que a noite encravada no bar nos oferecia como tema. Lamar estranhou-me gosto por álcool mas logo acompanhou-me ao ponto de nossa mesa solitária na quase manhã não comportar as garrafas. Gentilmente deu-me o telefone e endereço para contato em Lisboa, para onde voltei só depois de sete meses.

Cansado de uma vida indignamente morta, abandonei Viana após minha última tentativa de amar mulher que fosse e quando de volta a Lisboa, logo na primeira tarde após minha chegada, tenho como notícia num jornal o lançamento de um livro assinado por Lamar de Alcântara logo na segunda-feira seguinte e decididamente pus-me a aguardar a data para que reencontrasse o tal com quem conversei e talvez a única pessoa a quem consegui ter amizade logo.

A livraria tornara-se pequena para as crianças que pareciam gostar dos livros de Lamar – um tipo realmente infantil, na inocência do sentido – e os adultos fervorosamente cumprimentavam-no. Após todo o assédio, sentamo-nos a conversar, e falei-lhe sobre temas literários atuais, dentre eles o blog, cujo assunto demonstrou-me interesse, e então convidei-o, certo do talento deste grande escritor, a participarmos juntos de um e eis-nos aqui, dividindo nossas impossessivas linhas.



 

3 comentários:

Vita Brevis disse...

Incrível o modo como ocorreu o encontro entre vocês! E ainda bem que se encontraram, pois assim posso me embriagar de textos tão ricos...

Beijos,
Rafa

Alice disse...

passei e te deixei um beijo !

Jeniffer Santos disse...

sem dúvidas um bom encontro...e que seja eterno xD

beijos!