domingo, 6 de janeiro de 2008

Para aqueles que não entregam cartas

Tudo nessa vida tem um sentido, cada um de nós tem um papel a cumprir e uma carta a entregar.

Cartas não deveriam ser entregues. Cartas deveriam ser, simplesmente, anunciadas. Se eu um dia me metesse a escritor de cartas, nunca as entregaria. O que pensariam as pessoas ao saberem que tinham comigo uma carta que lhes pertencia, mas que nunca a receberia? Pensariam coisas fúteis, sérias, infantis, românticas, dramáticas. Efeito fantástico esse. Seria um feito incrível, ter minhas cartas reescritas todos os dias, por cabecinhas férteis: Qualquer momento de ócio serviria para mirabolar minhas tenras palavras em um pedacinho de papel.

Mas e ai? As palavras não seriam minhas, a escrita não seria minha, a carta não seria minha. Nunca me faria ouvir, nunca exporia meus reais sentimentos, jamais saberiam quem realmente sou. Meu momento de tristeza e lágrimas gotejadas no papel ficariam para sempre engavetados junto com uma carta nunca entregue. Minha vida ficaria a deriva, num mar de outras palavras que num dado instante fizeram sentido, mas que hoje não fazem nem tocam coisa alguma.

Cartas anacrônicas, essas sim, ficariam comigo sempre, para que crescesse, risse, chorasse, me envergonhasse ou me orgulhasse a cada releitura. Mesmo assim, algum dia me cansaria e me arrependeria de não ter-las entregue a um destinatário, que não eu.

Pense naquele olho brilhando ao receber um envelope direto, sem intermediários, sem carteiros, sem protocolos e burocracias. Pense naquela lágrima manchando a tinta da caneta. Não tem arte exposta em museu que se compare ao efeito de uma gota borrando o papel em uma carta. Não mesmo. Pense, no fim de tudo, em como seria bom ter todas as cartas prometidas bem debaixo do travesseiro...


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Nota do autor: Este ensaio foi escrito com o único intuito de convencer uma amiga a entregar-me uma carta que havia escrito, mas estava relutante em postá-la. Parece que deu certo. Em menos de duas semanas já estava com minha carta em mãos. E acreditem, valeu cada palavra!

5 comentários:

Johnn. disse...

Um belíssimo texto, sr. Lamar!

Vita Brevis disse...

Este texto lembrou-me um hábito de minha avó: ela tinha um caderninho onde escrevia cartas e nunca as entregava aos destinatários. Segundo ela, eram escritas apenas para treinar a ortografia... mas tenho certeza de que eram muito sinceras.

Beijos,
Rafaela

Deborah disse...

ah, nunca mais deixarei de entregar uma carta, portanto!

lindo texto.

Márcia disse...

Sinto falta do cheiro do papel de carta, das letras nas minhas mãos...gosto de cartas.
Dias lindos,
beijos

Sentimentalidades-Todas disse...

como a Márcia(clarinha), tenho sentido muito a falta do carinho materializado em papel, aliás,das emoções de modo geral...


Quanto ao seu texto, especialemente me tocou por me recordar das cartas que escrevi e enviei, mas que sempre pedia para reler.

Assim, estranhamente, era como se ao reler as cartas que já não me pertenciam,novamente eu me empoderava dos meus sentimentos.
Preciso escrever para não esquecer o que foi q existiu....

Abraços!!!!!!!!!